Depois de ver a palestra sobre o poder transformador da música clássica de Benjamin Zander, resolvi escrever um artigo sobre este professor e maestro. E descobri que a história da sua vida é só por si, uma fonte de inspiração.
Com uma personalidade forte e carismática, Zander consegue juntar conhecimento e comédia nas suas aulas de uma forma tão coerente e fluída que prende a atenção dos seus interlocutores do primeiro ao último momento.
É um bom storyteller que usa o poder emocional de pequenas histórias que introduz no seu discurso para clarificar os seus argumentos. Zander transforma em sabedoria a sua longa experiência.
Origens e a influência do Pai
Benjamin Zander nasceu em 1939 em Inglaterra, descendente de uma família Judia originária de Berlim e que se exilou em 1937 para fugir aos Nazis.
O seu pai, Walter Zander, foi uma grande influência para Benjamin.
Tanto, que escreve o seguinte sobre ele:
The day after my father died, I passed one of my students in the hallway of the New England Conservatory. “My father died yesterday, “I said. “Suddenly tears welled up in her eyes. “But you didn’t even know him,” I said. “Oh yes I did,” she replied. “We all knew him through you.”
And so it is. Everyone who knows me knows my father. His wisdom, his stories, his humorous anecdotes are an intrinsic part of my life and the life of my students.” “Do you miss your father?” a friend asked many years after his death. “Never,” I replied.”Do you ever think about him?” “Every day.”
Walter era um advogado e músico que perdeu grande parte da sua família em Auschwitz.
Perante as enormes dificuldades por que passou, Walter Zander teve uma atitude prática e mobilizadora. Uma das frases que dizia era:
There’s no such thing as bad weather, only inappropriate clothing (Não existe mau tempo, apenas roupa inadequada).
Dr. Walter Zander, pai de Benjamin Zander
Não se tratava de seguir a corrente de “Pensamento Positivo” (Positive Thinking) cuja função muitas vezes é meramente cosmética e superficial ao recorrer a eufemismos para tornar a realidade mais fácil de suportar (por muito má que seja).
A sua atitude era de meter mãos à obra perante obstáculos e fazer coisas extraordinárias, mesmo com poucos recursos. Por exemplo, durante o processo de exílio em Inglaterra, depois de fugir da Alemanha Nazi, viveu durante algum tempo num campo de refugiados.
Perante a situação, enquanto muitos desesperavam e aguardavam isoladamente o fim da situação, Walter percebeu que existiam muitas pessoas cultas a viver no mesmo espaço e que podiam transmitir os seus conhecimentos aos outros. Assim, organizou-se uma espécie de Universidade, com várias “cadeiras”, consoante o conhecimento de cada um.
É certo que não havia salas de aula, nem outros recursos, mas é um exemplo de que com muito pouco se consegue fazer coisas estupendas.
Vida de Benjamin Zander
Benjamin Zander nasceu em 1939 e começou a compor música aos 9 anos. Um ano de depois, começou a estudar Violoncelo. Aos 12, tornou-se no membro mais novo da National Youth Orchestra of Great Britain.
Aos 13, muda-se para a Uppingham, uma das mais importantes escolas de Inglaterra e depois estuda na St. Paul’s School em Londres.
Aos 15, torna-se estudante de Gaspar Cassadó, um grande professor espanhol de Violoncelo e muda-se para Florença e Sena, em Itália. Completa os estudos de Violoncelo no Conservatório de Colónia (Alemanha), onde se torna assistente de Cassadó.
Depois de 5 anos fora de Inglaterra, regressa a Londres para estudar literatura Inglesa na University College London. Durante este período, ganha vários prémios e faz vários recitais de Violoncelo com outros profissionais de renome.
Uma impossibilidade física (Zander não faz calos nas mãos, um condição necessária para tocar Violoncelo) fez com que tivesse que abandonar o instrumento e que se dedicasse ao ensino e à regência.
Em 1967, começou a dar aulas na New England Conservatory em Boston onde se manteve como professor até 2012, ano onde foi despedido devido à contratação de um profissional com um antecedente de abuso sexual. Mas na realidade, não tinha sido Zander a contratar este profissional para a NEC.
Em 1978, foi despedido da Boston Civic Symphony porque a administração entendeu que ele insistia em apresentar música “difícil” de compositores como Mahler ou Bruckner. A orquestra inteira resignou em protesto e Zander criou, no ano seguinte a Boston Philharmonic Orchestra. Em 2012, criou uma sub-divisão desta: a Boston Philharmonic Youth Orchestra.
Uma nova definição de sucesso
A atitude do seu pai influenciou profundamente Benjamin e tornou-o num verdadeiro líder. Para Benjamin, todos podemos ser líderes.
Duas das principais características de um líder são a renúncia e o sacrifício, em prol de quem se está a liderar.
Duas das citações mais populares de Ben (e que estão neste vídeo) são:
Never doubt the capacity of the people you lead to accomplish whatever you dream for them. (Nunca duvides da capacidade das pessoas que estás a liderar para alcançar o quer quer seja que estás a sonhar.)
A outra é uma nova definição do sucesso (rompendo com as noções de fama, riqueza, poder, etc..):
“How many shining eyes do we have around us?” (Quantos olhos brilhantes temos à nossa volta?)
Mas nem sempre foi assim. No vídeo, Ben refere que demorou 20 anos a perceber que um maestro “não faz nenhum som” e que “depende da sua habilidade de tornar as outras pessoas excelentes”.
Num artigo que escreveu para uma Revista de Gestão afirma:
[Numa determinada altura da minha vida] comecei a perguntar-me: O que faz com que uma orquestra soe tão vital e compenetrada com a música?
Até então, o que me interessava era outra questão: “Como me estou a sair?” A minha mudança de comportamento foi tão evidente que os músicos começaram a perguntar o que tinha acontecido.
Antes de me fazer tais questões, a minha principal preocupação era a qualidade técnica que exibia diante da orquestra ou qual tinha sido a receptividade dos críticos ao meu estilo de regência. Imaginava que uma reacção positiva da parte deles me traria mais reconhecimento.
Agora, a minha atenção concentra-se na minha eficiência em desenvolver o talento e as emoções dos músicos com a finalidade de conseguir uma bela interpretação.
Essa visão nunca surgiu enquanto eu partia do pressuposto de que detinha o poder absoluto e achava que os músicos eram meros instrumentos à minha disposição.
Entrevistas
TSF, Carlos Vaz Marques
Em Março de 2010, Carlos Vaz Marques entrevistou Benjamin Zander, provavelmente aproveitando a vinda dele a Portugal para uma conferência sobre liderança da Universidade do Porto.
Qual a melhor qualidade humana que um chefe de orquestra deve ter?
O trabalho do maestro pode servir como um bom modelo de liderança?
O que é mais importante? Fazer música extraordinária ou fazer com que todos se sintam bem na orquestra?
Sente que se tornou num maestro diferente quando percebeu que um maestro não produz nenhum som?
A ideia de responsabilidade é importante nesse seu modelo?
Agradece à administração da Boston Civic Symphonyter sido despedido, abrindo-lhe assim novas possibilidades?
Quando se fecha uma porta, abre-se uma janela?
Considera a música clássica demasiado difícil para algumas pessoas?
Com ajuda, todos podem gostar de música clássica?
Define-se como uma pessoa da “oportunidade gloriosa”?
É um optimista radical?
Como é que ultrapassou o problema de não ter podido continuar como violoncelista?
O falhanço e o sucesso são palavras comuns no seu léxico?
Qual a sua definição de sucesso?
SIC Notícias, Martim Cabral
Uma outra entrevista é a de Martim Cabral na Sociedade das Nações da SIC Notícias. Algumas das questões em cima são abordadas e uma vez que a entrevista foi feita na mesma altura, existe sobreposição de algumas respostas. Ainda assim, também vale a pena ver.
O Livro
The Art of Possibility: Transforming Professional and Personal Life
Um livro fascinante de Benjamin Zander (em co-autoria com a sua esposa) sobre a forma como olhamos para o mundo. Esta repleto de exemplos pessoais e fala da arte da oportunidade.