Crítica cinematográfica: Shame (Vergonha) 2011

Cartaz do filme Shame
Cartaz do filme Shame

Shame conta a história de Brandon (Michael Fassbender), um homem na casa dos 30 anos que vive sozinho um pequeno apartamento em Manhattan. Trabalha numa grande empresa de Nova Iorque, apesar de não ficar claro que género de trabalho faz. Também não importa. Por de trás do homem aparentemente bem sucedido e do estilo de vida independente que leva, reside um vício compulsivo por sexo. Um  homem que não procura relacionamentos sérios ou amor. Um homem que procura um escape, que usa o sexo como forma de esquecer, de aliviar um forte sentimento de isolamento.

Até que um dia, a sua irmã mais nova, Sissy (Carey Mulligan) reaparece e muda-se para o seu apartamento sem avisar, fazendo-o perder o controlo da sua sexualidade e trazendo consigo recordações de um passado doloroso que ele (e ela?) quer esquecer. É ela que faz com que ele se aperceba que tem um problema e que comece a tentar mudar.

Apesar de ser um filme sobre um ninfómano, as muitas cenas de sexo (por vezes explícitas) acabam por ser inevitáveis na história e estão ao mesmo nível que dezenas de outros filmes. Aliás, o sexo não é o principal tema. Os temas principais são a solidão e a intimidade. O conflito interior da personagem geram no espectador pena e tristeza pela solidão de um homem que para alguém do trabalho, vive apenas para alimentar o seu vício.

A tentativa de construir uma relação com a colega do escritório não resulta porque a intimidade repulsa-o. Ele não consegue estabelecer uma relação íntima. E sofre com isso. Confrontado com a irmã que o obriga a sair da sua zona de conforto, tenta livrar-se de tudo o que alimenta esse vício (pornografia) mas acaba por ter uma recaída que o faz desconsoladamente, depois de vários incidentes, terminar uma noite num bar homossexual.

A relação com a irmã é igualmente densa, não deixando de transparecer o passado complexo de ambos (ficamos sem perceber o que se passou). Ao mesmo tempo, é possível denotar alguma cumplicidade e carinho que nutrem um pelo outro.

É uma história complexa, dura, contada de forma pouco convencional. Não tem princípio, meio ou fim. Tem planos abertos, fechados, demorados e tracking shots, coisa que já não estamos habituados com o cinema a seguir cada vez mais o estilo frenético da geração MTV.

O guionista e realizador de Shame  o inglês Steve McQueen – é para mim uma grande revelação (é o primeiro filme que vejo dele). É a prova de que mesmo com um orçamento limitado se consegue produzir um bom filme. A sua realização – pesada, dilacerante, frontal e disruptiva – é a peça fundamental para que história resulte. McQueen realiza um filme cativante e intensamente íntimo. Explora as profundidades e consequência  do vício.

Aqui, os detalhes cénicos contam mais sobre as personagens do que as suas próprias falas. Por exemplo, a decoração pouco acolhedora do apartamento de Brandon ajuda a construir a sua personalidade “distante” e fria. Outro exemplo: durante o jantar entre Brandon e a colega de escritório que ele quer engatar, o plano é muito aberto e estão constantemente a ser interrompidos pelo empregado do restaurante. Isto transmite um sentimento de desconforto e de ansiedade numa altura onde ele está a ser confrontado sobre a sua dificuldade em manter relações (a maior relação tinha durado apenas 4 meses).

product placement é bem conseguido. As referências aos produtos estão ligadas à história de uma forma intensa e discreta. Por exemplo, numa cena onde Brandon evita atender o telefone, como sinal de uma fuga permanente da personagem à realidade, ouve-se o toque característico de um iPhone sem nunca ser mostrado o equipamento. Sinal da mudança dos tempos, já que  há uns anos teria sido o toque da Nokia (se bem que ainda hoje se estima que este seja tocado 20000 vezes por segundo no mundo).

Num outro momento, quando Brandon a meio da noite sai para uma sessão de jogging pela cidade, uma cena fascinante com um plano longo e disruptivo que representa a libertação e o alívio de uma tensão acumulada, a câmara pára uns breves instantes para que o Brandon ligue o seu iPod (e eventualmente o iPod+Nike).

Um dos melhores momentos do filme é a a interpretação, ao piano, de “New York, New York” pela sua irmãEnquanto a ouve cantar, Brandon mostra o primeiro sinal de vulnerabilidade e chora. Torna-se um ser humano. Cai na realidade e percebe que não é o “king of the hill” nem o “top of the heap” de que os seus vícios são prova.

 

Nota: 17/20

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